Quando eu trabalhava com crianças e adolescentes, uma das coisas mais divertidas do mundo era ouvir as desculpas esfarrapadas que muitos inventavam para explicar porque não tinham feito o dever de casa. Os menos criativos resolviam faltar a aula por completo, pra não precisarem justificar a falta da tarefa. Os mais imaginativos, no entanto, vinham para a aula com as mãos abanando e muitas vezes se justificavam contando aventuras que os faziam parecer com James Bond. Eu adorava ouvir as estórias, mas era jogo duro: se não tivesse o exercício, não dava jeitinho nenhum, afinal de contas no mundo meio sem moral de hoje é importantíssimo que criança saiba que certas coisas não são negociáveis e pronto.
Mas que as estórias eram ótimas, ah isso eram... Uma vez um aluno chega na aula todo afoito, com o exercício todo amassado, meio úmido e faltando um pedaço, assim como se tivesse sido mutilado. Era preciso ver a carinha do indivíduo tentanto explicar o incidente:
- Professora, essa eu sei que vai ser difícil de engolir, mas meu cachorro REALMENTE comeu meu dever de casa!!!
Dei muita risada e guardei o meio exercício pra decidir o que fazer depois. A tarefa estava ali, só o seu estado é que era lamentável... Pouco mais tarde, a mãe desse aluno entra em contato comigo e me revela que eles tinham um cachorro meio descontrolado, que pulava nas coisas e comia qualquer coisa que coubesse em sua boca. Como eu também já tinha tido uma série de cachorros, alguns dos quais meio psicopatas e outros que não tinham nenhuma frescura quanto ao seu regime alimentar, achei que o incidente do dever de casa era plausível. Mas mesmo com minha experiência no terreno das desculpas esfarrapadas e com minha habilidade de detectar qual delas tem chance de ser pelo menos baseada na realidade, fiquei meio encucada quando há duas semanas atrás, recebo o seguinte e mail de um aluninho:
"Prezada Sra. Santos,
Não poderei ir à aula esta semana. Estou em Londres, mas um vulcão entrou em erupção e por isso não posso voltar pra casa."
Minha primeira reação foi de cair na risada e pensar que o cara não precisava ter sido tão criativo. Um simples "meu cachorro morreu" já teria bastado. Meu ataque de risos foi interrompido por uma colega que entra correndo na sala mandando eu ligar o rádio para ouvir a notícia que de fato, o vulcão Eyjafjallajoekull na Islândia tinha entrado em erupção e vôos em diversos países da Europa tinham sido cancelados por medidas de segurança.
Para os islandeses isso é que coisa mais ou menos normal. Eles crescem aprendendo sobre a possibilidade de um fenômeno como esse e estão preparados para saber como agir caso isso aconteça. Isso sem contar que os islandeses passaram todo esse tempo contendo o riso toda vez que jornalistas do mundo todo pronunciavam o nome do vulcão. Mas infelizemente o motivo de riso desse assunto acaba aí. Além do transtorno que foi criado para os 700 islandeses que tiveram de ser relocados, pro resto da Europa este foi o acontecimento do ano. Claro que foi o tema número um das conversas de bar, mas com certeza foi também o maior motivo de dor de cabeça para muita gente durante os quase dez dias que decorreram desde o início da erupção até a normalização dos vôos. Mas isso é um assunto complexo demais e meu computador está dando uma pane e por isso não posso continuar a escrever agora. Esse assunto fica pro próximo post.
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