Hoje a Alemanha comemora vinte anos de reunificação, no qual o país celebra o processo de democratização da antiga Alemanha Oriental, o fim da Guerra Fria e a reestabelecida unidade de um país antes dividido por uma estória macabra de guerras e muros. Infelizmente essa reunificação política não garante uma verdadeira unidade social. Como bem pontuado por minha querida amiga Silvia nessa mesma ocasião ano passado1, o muro de Berlim caiu, mas outros muros não param de ser levantados por aqui.
Além das barreiras bem conhecidas em todas as culturas que separam pobres de ricos, pretos de brancos, velhos de jovens, existe um muro bem assutador que foi erguido depois da queda do de Berlim. Esse aí separa alemão de alemão mesmo. Nunca vou me esquecer meu assombro quando, recém chegada aqui, fui percebendo que as coisas não são tão simples tipo: quem nasce na Alemanha é alemão. Aqui o que determina sua origem não é território geográfico e sim o sangue. Se um de seus pais não foi alemão, isso já bastou pra iniciar a confusão. Você de repente vira meio isso e meio aquilo. Claro que oficialmente a versão é outra, mas na prática o que consta no passaporte não ajuda muito às pessoas a se sentirem parte desta cultura. Já perdi as contas de quantos alemães de nascença eu conheci por aqui que se consideram qualquer coisa menos alemão e depois de ter escutado a estória de muita gente, hoje em dia eu entendo.
Por exemplo, uma mulher que nasceu aqui apesar de seus pais serem turcos, passou sua vida inteira tendo de explicar esse detalhe de sua estória toda vez que abre a boca pra falar ,porque as reações são muitas vezes do tipo "Nossa, há quanto tempo você vive aqui? Você fala muito bem o alemão." Nessa circunstância é inevitável começar a se identificar mais com o lado de sua origem que lhe permite ser, sem lhe questionar o tempo todo. No entanto, o fato de ser turco de pai e mãe nem sempre é garantia de que a pessoa vai ser reconhecido (ou querer ser reconhecido) pela cultura turca como tal e aí as coisas se complicam ainda mais. Enquanto a Alemanha comemora vinte anos que é um só povo, muita gente nascida aqui ainda não sabe ao certo que povo é esse. São inúmeros os que tem seus passaportes alemães sem que isso lhes garanta livre acesso emocional à qualquer cultura.
Essa barreira cultural é uma coisa séria, porque no final das contas, a cultura a que você pertence te abre ou fecha muitas portas de oportunidades por aqui. Na Alemanha , fala-se muito sobre multiculturalismo como uma coisa positiva e desejada, mas na prática ainda se vê mesmo é muita gente preferindo evitar misturas, afinal de contas, quanto mais mistura, mas tolerância é necessária e é sempre bem mais fácil ser tolerante no papel do que na prática. Um dia a situação melhora. Enquanto isso, viva o povo alemão, seja ele quem for.
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1 Vejam seu comentário no post "The Wall" de novembro de 2009.
Lembra de Georgious? Filho de Gregos, mas nascido e criado na Alemanha. Tinah todo direito de um cidadão gemânico, mas era um grego-nascido-na-alemanha. E se alguém falasse que ele era alemão, a resposta vinha rápida:
ResponderExcluirIch bin kein Deutscher!
Marilena Chauí, qdo o muro caiu, disse: o muro so caiu pq outro já foi levantado nas cabeças dos alemães!
Ainda lembro, Cris, e espero que isto tenha mudado, o quanto ouvia lamentos sobre os alemães ocidentais terem que pagar impostos pra compensar os atrasos dos orientais. Isso foi em 2002!!!!!
Boa sorte para Alemanha,boa sorte pra vc!