domingo, 29 de janeiro de 2012

Brasileiros vs Brasileiros

Uma das coisas que eu mais amo em Bremen são meus amigos. Fiz tantos amigos novos aqui que hoje em dia fica muito difícil pra mim imaginar uma vida sem essa cidade e sem essas pessoas maravilhosas. No meio desse grupo fantástico de novos amigos, tenho de destacar minhas amigas brasileiras. Elas são sem dúvida nenhuma minha família substituta aqui tão longe de casa. Me considero uma pessoa de muita sorte, porque além de ter essas amigas especiais, tive o prazer de conhecer muita gente boa de vários cantos do Brasil e com isso, descobrir melhor minha própria cultura. Hoje me envergonho ao perceber que sei tão pouco sobre o Norte do país, me divirto muito com as nossa diferenças linguísticas e cada encontro com essa brasileirada do bem além de terapêutico é um delicioso aprendizado.

Mas infelizmente nem tudo é cor de rosa e bonitinho com meu conterrâneos. Pra cada brasileiro gente boa que encontrei por aqui, já tive também o desprazer de conhecer pelo menos um outro que me fez hesitar pra dizer que também era brasileira. Na boa, alguns de meus compatriotas aqui me chocam de uma forma que eu chego a ficar sem palavras.

Tem por exemplo os que só fazem reclamar da Alemanha. E de forma bem mal educada e pouco reflexiva. Para esses aí, os alemães são todos iguais, todos frios, todos distantes, grossos etc. Esses não esperam nem os alemães darem as costas pra falar mal deles. Tá tudo bem, os costumes são muitas vezes muito diferentes, mas onde está a cortesia? O tentar se adaptar? E os nossos próprios mau costumes? Não concordo com a teoria dos incomodados que se mudem, nem com a de que se está na terra dos outros tem mais é que abaixar a cabeça e se enquadrar. O ser humano ter direito de ficar ou não onde quiser e demonstrar insatisfação com o mundo ao seu redor não precisa ser uma coisa ruim. Afinal de contas as grandes e importantes mudanças muitas vezes começam à partir do  momento que um grupo de pessoas demonstra sua insatisfação com algo. Mas tem muito brasileiro aqui que reclama e fala mal da Alemanha por simples falta de assunto. Pra esses aí eu sugiro assistir o jornal, ler um livro, comprar uma revista. O mundo está cheio de assunto interessante pra ser discutido.

Ainda piores do que os brasileiros reclamões, tem aqueles que julgam e discriminam o próprio povo. Donos de cabecinhas menores do que as de alfinete, esses contribuem para que as babaquices ideológicas que emporcalham nossa sociedade sejam exportadas e multiplicadas internacionalmente. Por exemplo, uma vez um certo cidadão universitário, proviniente de uma família de classse média do Recife, ou seja, o cara do qual se espera um certo nível intelectual e acesso a outros mundos que não só o próprio,  me saiu com o seguinte comentário depos de ter acabado de me conhecer e batido o maior papo comigo em uma festa: “É interessante vez que uma pessoa assim como você é professora e inteligente. Aqui na Alemanha, as brasileiras assim como você no geral são empregadas domésticas ou dançarinas de samba”. Olha, pra falar a verdade, nem sei se entendi o que o cabra quis dizer. O que será que ele entende por “pessoas assim como você”. Será que ele quis dizer “negra”, "nordestina"? Mas nordestino ele também é. Não posso imaginar que ele estava atacando a si mesmo. Seja o que for que ele tenha querido dizer com isso, alguma coisa sobre mim, deduzo que na minha aparência, já que além disso ele não sabia mais nada, deu a ele a impressão de que eu não poderia ser nem professora, nem inteligente. E qual o problema em ser empregada doméstica ou sambista? Também não dá pra ser inteligente e exercer essas profissões, é  assim que é pra entender?

Na hora minha reação foi ficar muda processando o que eu ouvi. Tomei mais uma cerveja, depois fui pra casa dormir, acordei no dia seguinte ainda meio perplexa e ainda sem compreender. Hoje em dia acho somente que o comentário dele, apesar de tão breve, mostrou ao mesmo tempo um pensamento elitário, arrogante e racista. Nunca mais me bati com esse sujeito, graças a deus, mas infelizmente sei que como ele, tem milhares de brasileiros que vem pra cá espalhar essas idéias discriminantes e burgesinhas. Triste, mas é verdade...

E tem os espertinhos que querem tirar vantagem de absolutamente tudo, os arrogantes que confundem o racismo cordial com uma coisa boa e ficam se achando a última coca-cola do deserto, os sulistas que te olham de cima abaixo ou que simplesmente param de falar diretamente com você quando descobrem que você é nordestino e os que não sabem de absolutamente nada sobre o Brasil além do último hit do verão, mas que mesmo assim não calam a boca quando deveriam e dão informação errada por aí por pura ignorância. 

Dá vontade de dizer pra essa turma: galera, aproveitem que informação e educação aqui ainda não é privilégio e vão ler, vão estudar, vão se educar pra vida! Parem de dar tanta importância à besteira e vão procurar ampliar suas visões de mundo. Pelo bem da sociedade, utilizem de forma produtiva essa oportunidade que estão tendo!!!! Mas na maioria das vezes não consigo ou não dá mesmo pra dizer nada. Me sinto esgotada com o sentimento de que a ignorância por opção é um mal sem limites. Nessas horas só me resta sacudir a cabeça de forma exasperada e dizer pra mim mesma: “assim vocês me matam” só que de vergonha mesmo.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Racismo Cordial


Enquanto ainda estava tentando definir um tema pra minha monografia, me deparei com muitos textos e teorias interessantes, que me ofereceram um verdadeira reeducação pra vida. Uma delas foi a teoria de que existe uma coisa chamada de Racismo Positivo Cordial. Apesar de ainda questionar a terminologia, eu concordo que, por mais estranho que pareça, a coisa em si de fato existe.

É difícil definir o racismo em termos absolutos. Esse fenômeno tem tantas formas de se manifestar que muitas vezes nem dá pra saber direito se alguma coisa é de fato racismo ou não, e nessa brincadeira se vacilar a gente corre o risco de pirar e virar paranóico. The Big Bang Theory, série de TV que eu adoro, tem umas cenas hilárias que brincam com essa noção. Por exemplo, no nono episódio da quarta temporada (The Boyfriend Complexity) rola o seguinte diálogo (no qual Raj, um dos personagens, é indiano) que eu traduzi mais ou menos assim:

Sheldon: Você tem certeza que tem quadrinhos o suficiente? Você vai monitorar o telescópio por doze horas e pela minha estimativa, você só selecionou sete horas de material de leitura. E isso considerando sua dificuldade em processar expressões de quadrinhos americanos como “bamf” e “snif”.

Raj: Isso foi racista? Eu senti como se fosse racismo...

Howard: Não seja super sensível. Ele está chamando VOCÊ de analfabeto e não a sua raça.

Raj: Ah, tá. Tudo bem.

Bem, há quem ache que Sheldon foi sim racista, há quem ache que a série inteira é meio racista também e há pessoas que acham que tudo não passa de uma brincadeira. Eu acredito que quando o ser humano se envolve pessoalmente com determinada causa ele acha formas de defendê-la, por isso muitas vezes a mesma situação pode ser percebida como discriminatória por uns e inofensiva por outros. Como diz Marisa Monte em uma de suas músicas “a dor é de quem tem”. (Obrigada por me lembrar, Anginha!!). Essa discussão do ser ou não ser racismo, foi um dos pontos de partida pra teoria de que existe o tal racismo positivo cordial. 

No post anterior eu falei que aqui na Alemanha determinadas culturas são constantes vítimas de associações negativas enquanto outras são adoradas. A impressão que eu tenho é que o estrangeiro aqui sempre recebe logo um carimbo estigmatizante seja positivo ou negativo. Polonês é ladrão, turco bate na irmã, russo é mafioso e russas são piranhas. Os espanhóis vivem dançando e falando alto, italiano é incompetente no trabalho, mas sabe viver que é uma beleza, suecos são exemplo de moral e brasileiro é tudo de bom. Acho que nós somos os mais amados dos estrangeiros aqui na Alemanha. Também, como não amar um povo sexy, de corpo esculpido que se veste como se houvesse um eterno racionamento de tecido, que vive curtindo praia e que é mestre na arte de dançar, cantar e golear?

O único problema é que enquanto a gente fica se achando, pensando que isso é uma beleza e que somos as últimas bolachinhas do pacote, a gente acaba se cegando pro fato de que essa adoração pode ser bastante limitante. Afinal de contas, como levar um povo desse à sério? Antes mesmo de conhecer a teoria do Racismo Positivo Cordial senti rapidinho na pele o seu poder destrutivo. Ao chegar aqui, ficava cansada de ter de explicar e convencer pessoas que ser brasileira e ser uma profissional competente e séria não eram necessariamente qualidades excludentes. Era também muito difícil de fazer certas pessoas entenderem como era possível que eu fosse brasileira e ensinasse inglês e não português, que eu não desse a mínima pra futebol, que não achava o frio ruim, que não chorava todo dia de saudades de minha terra, minhas praias, etc. Me poupe, né? sinto saudades de minha terra sim, mas quem não sente? o fato de ser brasileira não me obriga a viver num eterno banzo.

Como o texto trata exatamente sobre os perigos dos esteriótipos, quero deixar bem claro rapidinho, que nem todo alemão pensa assim. Aqui, como em qualquer outro país, tem pessoas preconceituosas e pessoas que sabem que somos todos diferentes porém iguais. Infelizmente em questões culturais a gente tende a querer colocar a maior quantidade de gente possível em um mesmo saco, mas o importante é constantemente refletir sobre nossas atitudes e nossos padrões de pensamento. 

Eu tive muita experiência aqui na qual pessoas tentavam me carimbar com todo cliché de brasileiro que existe, mas também tive muita experiência genuinamente positiva, na qual fui vista e tratada apenas como um ser humano e pronto. No final das contas todas essas experiências, todas as leituras sobre a questão do racismo negativo ou positivo cordial, me levaram a questionar a minha própria forma de olhar para as pessoas. Hoje em dia, me vigio pra não cair na armadilha de atribuir suas características boas ou ruins às suas nacionalidades. Não é fácil, viu. Mas pro bem de um mundo mais igualitário, esse esforço individual com certeza vale à pena.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Racismo


Hoje cliquei num link de uma estória compartilhada por Lubi no Facebook e depois de ler o texto fiquei bem pensativa. Desde que comecei esse blog, já iniciei pelo menos uns 5 textos abordando o nebuloso tema do racismo, mas nunca tinha conseguido concluir nenhum. Fiquei pensando por que será que é tão difícil pra mim escrever sobre esse tema. Bem, acho que o principal motivo é mesmo porque esse assunto é muito complexo, tão complexo que não me sinto capaz de discutir isso em um só post e segundo porque é um tema que me toca de forma muito pessoal e sendo assim, acho que nem conseguiria escrever algo que fizesse sentido pra quem não teve as mesmas experiências que eu já tive com esse tema.

Nos últimos meses, parece que o racismo anda me seguindo. Nos jornais, nos blogs que eu leio, na escola e até nos textos do mestrado sempre me deparo com alguma coisa que aborda essa praga. Parece até provocação, uma espécie de conspiração pra eu tomar coragem e dizer o que eu penso sobre esse assunto, nem que para isso eu precise de muitos posts e muita paciência. Aceito o desafio, então vamos lá!

Infelizmente já fui vítima de racismo tanto no Brasil quanto aqui na Alemanha e acho que nesses dois países as situações e as vítimas variam, mas ele existe e se manisfesta de forma parecida. Sei que muita gente vai discordar, (e acho bom, assim a gente discute e cresce com a discussão) mas eu explico. Uma situação como a que foi descrita no blog de Luis Nassif à que me referi acima, dificilmente aconteceria aqui. Aqui cliente é cliente e enquanto ele se comportar de forma condizente às regras do local, poderá permanecer ali independentemente do que estiver vestindo ou da cor de sua pele. 

Essa estórias que a gente cansa de ouvir do Brasil que um afro descendente entra em uma loja e nenhuma pessoa vem atender enquanto dez vendedoras circulam em volta de uma pessoa branca, não tem como acontecer aqui. As lojas e os vendedores são bem treinados pra só fazer distinção entre as cores das cédulas de euros.  Até mesmo porque, aqui as pessoas entendem que coisas como cor da pele ou como se está vestido no momento, não necessariamente reflete quanto dinheiro a pessoa tem à disposição pra gastar naquela determinada situação. As pessoas responsáveis por atendimento, podem até ser racistas, mas no geral no horário de trabalho, elas guardam esse tipo de pensamento pra elas mesmas e se comportam de forma profissional. O que eu já considero um grande favor à sociedade.

No Brasil a vitima mas frequente do racismo é sem dúvida nenhuma o afro descendente, aqui é o estrangeiro. A cor da pele em si não serve como um fator imediato de discriminação e sim a origem. Tem países que são adorados e outros que frequentemente são associados ao que não presta. Turcos, árabes, boa parte dos africanos e dos europeus do leste passam pelos mesmas situações desagradáveis que os afro descendentes no Brasil. O brasileiro aqui faz parte do grupo dos adorados. Mal sabem eles que essa adoração pode ser prejudicial também. Mas isso são cenas do próximo capítulo.

Essa são as diferenças que eu observo. No entanto, tanto no Brasil como aqui na Alemanha eu percebo que as pessoas no geral se envergonham do racismo. Tanto do seu próprio como do dos outros. Nesses dois países existe a tentativa de livrar a sociedade desse equívoco cultural. Se percebe um esforço social e pessoal de ser politicamente correto, de ser aberto e democrático e tanto lá quanto aqui existem leis anti racismo. No entanto esse fenômeno é tão velho quanto o mundo e por algum motivo o ser humano sente necessidade de distinguir, separar, classificar. A gente faz isso com tudo e inevitavelmente também com pessoas. Por isso, o fato de existir o desejo de muitas pessoas de acabar com o racismo, não significa que ele de fato está acabando. Por isso muitos alemães e brasileiros de coração bom e muito bem intencionados de vez em quando falam coisas tipo “ele é turco mas é muito bem educado”, “ela é negra mas é linda”, “Eu não sou racista, eu tenho um monte de amigo negro”, “um grande amigo meu é estrangeiro”. Só sente necessidade de dar esse tipo de esclarecimento, quem tem umas idéias meio contraditórias na cabeça. Infelizmente essas formas sutis de discriminar são mais presentes em nossa sociedade do que a gente se dá ao trabalho de perceber. 

Felizmente existe um remédio contra isso. Em primeiro lugar, parar de negar que o problema existe. Racismo existe sim, em toda parte do globo, e é um bicho feio, ilógico e destrutivo. O segundo passo é decidir o que fazer para combater esse mal. Na minha opinião, o que cada um de nós pode fazer é na verdade muito simples: procurar constantemente se informar e exercitar a auto-reflexão. Associado a isso, procurar dar uma limpada no vocabulário também. Antes que meus conterrâneos se chateiem comigo,não estou me referindo às manifestações de carinho que fazem parte, por exemplo, da baianidade, tipo quando alguém diz “ô nega, me faça um favor”, mesmo quando a pessoa pra quem se pediu o favor é loura de olhos azuis, mas a essas retratações de discurso que a gente já tem no automático, tipo “eu não tenho nada contra negro, estrangeiro, pobre, etc, mas...” Tá entendendo o que eu quero dizer? Se não tem nada contra, pra que a nota de esclarecimento antes do discurso?

domingo, 1 de janeiro de 2012