quinta-feira, 29 de abril de 2010

Ótima desculpa para escrever

Quando eu trabalhava com crianças e adolescentes, uma das coisas mais divertidas do mundo era ouvir as desculpas esfarrapadas que muitos inventavam para explicar porque não tinham feito o dever de casa. Os menos criativos resolviam faltar a aula por completo, pra não precisarem justificar a falta da tarefa. Os mais imaginativos, no entanto, vinham para a aula com as mãos abanando e muitas vezes se justificavam contando aventuras que os faziam parecer com James Bond. Eu adorava ouvir as estórias, mas era jogo duro: se não tivesse o exercício, não dava jeitinho nenhum, afinal de contas no mundo meio sem moral de hoje é importantíssimo que criança saiba que certas coisas não são negociáveis e pronto.

Mas que as estórias eram ótimas, ah isso eram... Uma vez um aluno chega na aula todo afoito, com o exercício todo amassado, meio úmido e faltando um pedaço, assim como se tivesse sido mutilado. Era preciso ver a carinha do indivíduo tentanto explicar o incidente: 
- Professora, essa eu sei que vai ser difícil de engolir, mas meu cachorro REALMENTE comeu meu dever de casa!!!

Dei muita risada e guardei o meio exercício pra decidir o que fazer depois. A tarefa estava ali, só o seu estado é que era lamentável... Pouco mais tarde, a mãe desse aluno entra em contato comigo e me revela que eles tinham um cachorro meio descontrolado, que pulava nas coisas e comia qualquer coisa que coubesse em sua boca. Como eu também já tinha tido uma série de cachorros, alguns dos quais meio psicopatas e outros que não tinham nenhuma frescura quanto ao seu regime alimentar, achei que o incidente do dever de casa era plausível. Mas mesmo com minha experiência no terreno das desculpas esfarrapadas e com minha habilidade de detectar qual delas tem chance de ser pelo menos baseada na realidade, fiquei meio encucada quando há duas semanas atrás, recebo o seguinte e mail de um aluninho:
 "Prezada Sra. Santos,
Não poderei ir à aula esta semana. Estou em Londres, mas um vulcão entrou em erupção e por isso não posso voltar pra casa."

Minha primeira reação foi de cair na risada e pensar que o cara não precisava ter sido tão criativo. Um simples "meu cachorro morreu" já teria bastado. Meu ataque de risos foi interrompido por uma colega que entra correndo na sala mandando eu ligar o rádio para ouvir a notícia que de fato, o vulcão Eyjafjallajoekull na Islândia tinha entrado em erupção e vôos em diversos países da Europa tinham sido cancelados por medidas de segurança.

Para os islandeses isso é que coisa mais ou menos normal. Eles crescem aprendendo sobre a possibilidade de um fenômeno como esse e estão preparados para saber como agir caso isso aconteça. Isso sem contar que os islandeses passaram todo esse tempo contendo o riso toda vez que jornalistas do mundo todo pronunciavam o nome do vulcão. Mas infelizemente o motivo de riso desse assunto acaba aí. Além do transtorno que foi criado para os 700 islandeses que tiveram de ser relocados, pro resto da Europa este foi o acontecimento do ano. Claro que foi o tema número um das conversas de bar, mas com certeza  foi também o maior motivo de dor de cabeça para muita gente durante os quase dez dias que decorreram desde o início da erupção até a normalização dos vôos. Mas isso é um assunto complexo demais e meu computador está dando uma pane e por isso não posso continuar a escrever agora. Esse assunto fica pro próximo post.

domingo, 4 de abril de 2010

Zumba

Sete meia da noite da sexta-feira passada, eu estava de saída quando o telefone tocou. Era um amigo querendo saber quais eram meus planos pro fim de semana. Eu respondi que não sabia o que faria mais tarde, mas que naquele momento estava indo pra academia. Meu amigo indagou estupefato:
"was?!?! Verteilen sie Bier heute da? Geht's dir gut?" o que em português quer dizer "o quê?!!? Eles estão distribuindo cerveja hoje lá? Você está bem?"

Quem me conhece bem entende a reação de meu amigo. Academia é o lugar menos provável  do mundo para me encontar e a probabilidade de eu estar lá é ainda menor em uma sexta-feira à noite. Pensando bem, a única coisa que me faria normalmente ir à uma academia no fim de semana, seria  se de fato  eles estivessem distribuindo cerveja. E mesmo assim só se todos os bares da cidade estivessem fechados. Isso porque a imagem dos aparelhos na academia me lembram tortura e todas aquelas pessoas bonitas, malhadas e saudáveis me fazem sentir uma mistura de coisas, mas todas elas incapazes de me convencer a ficar no local. 

Enfim, detesto academia, mas sou uma mulher que cresceu sendo estimulada por uma sociedade superficial e consumista a ser paranóica com seu próprio corpo. Por isso, apesar de me considerar uma pessoa inteligente e reflexiva ainda me preocupo com meu barrigão de cerveja e minhas celulites quando o verão vai se aproximando e me sinto coagida a usar biquini. Um saco, porque esse é o tipo de coisa que me faz deixar de tomar cerveja uma sexta-feira por ano para ir à droga da academia. Essa paranóia e a curiosidade pra ver de perto um tal de Zumba que segundo Florinha é a sensação do momento na america latina. Nossa academia começou a oferecer o tal curso e então resolvemos ir conferir.

Agora foi que essa estória "esquisitou" de vez! Cris, sexta-feira à noite, na academia, sem cerveja de graça e fazendo aula do ritmo do momento. Mas o inusitado não para por aí: O professor é na verdade especialista em artes marciais e lutador de Muy Thai. O cara é alemão de uma cidadezinha próxima de Bremen e tem um swing que dasafia muito brasileiro. Apesar de não ser nem meu tipo de música, nem de dança, não posso deixar de admitir que me diverti bastante. Zumba foi como uma mistura de tudo quanto é de dança maluca que o carnaval baiano já produziu. Me acabei de rir, com o que pra mim pareceu mais um grande equívoco da globalização. Ali estava eu em uma academia na Alemanha, cercada de pessoas de várias partes da Europa, ouvindo músicas de toda América Latina e tentando aprender os passos das danças que eu via surgir a cada verão em Salvador.

O professor demonstrava algo e eu reconhecia alguma dança como samba ou salsa. Em outros momentos reconhecia alguma prezepada do tipo, bomba, dança da galinha, fricote ou uma dessas maluquices criadas pela indústria do axé. E eu ia dançando, afinal minha filosofia é: foi pro pagode, tem de requebrar até em baixo, mesmo correndo o risco de dar um jeito na coluna e nunca mais poder ficar com a postura ereta. Mas como apesar de globalizado isso aqui ainda é Alemanha, algumas pessoas precisavam saber exatamente quantos graus tinham de inclinar o troco e qual o tamanho da circunferência que o quadril tinha de descrever na hora que a música dizia "mexe a bunda pra cá e pra lá". 

E foi aí quando tudo desandou de vez. Da próxima vez que estiverem em alguma festinha, dançando como se não tivessem coluna vertebral, ao som do reboleixon, ou de qualquer outro ritmo insano que a Bahia criar, pensem em como vocês explicariam ou demonstrariam a tal dancinha pra um turista bem descoordenado e vão entender como eu me senti nesse momento. Parece que todo meu senso de ritmo me abandonou e os pés não se entendiam. Isso sem contar que ficou praticamente impossível fazer com que meus braços participassem da brincadeira junto com os pés. Era como se cada parte do corpo de repente tivesse decidido que ou iam dançar sozinhas ou não dançavam. E eu não posso culpá-las afinal de contas, para mim dançar está mais para língua que para matemática. Ou seja, claro que tem regras, mas muitas vezes uma pessoa pode comunicar a mesma coisa de forma diferente e mesmo quando a regra é empregada de forma errada, muita vezes o resultado é lindo. Assim quem consegue relaxar e se entregar ao ritmo acabam dançando melhor do que muitos que apesar de conhecer os passos acaba por se esquecer de seguir a música. 


O resultado dessa estória que já começou meio insana foi o seguinte: o professor estava preparadíssimo e conseguiu demonstrar passo passo como se dança o samba. Todo mundo entendeu direitinho e teriam anotado se pudessem, mas só quem sambou junto com a música mesmo, foram  os que não estavam nem aí para as regras e basicamente estavam alí pra suar e se divertir.