Mas ser criança aqui na Alemanha também é um assunto legal de futucar pra descobrir as semelhanças e diferenças entre culturas. A maior delas, eu acho que é o fato de que no Brasil, a criança é mais celebrada do que aqui. Além de um dia pra se comprar presentes para elas, existe uma acordo tácito de que é proibido não gostar de criança. Aqui não só tem muita gente que não gosta como também tem os que se sentem super à vontade pra dizer isso em qualquer lugar sem nenhum constrangimento. Uma declaração do tipo "Não quero nunca ter filhos" que horroriza muita gente no Brasil e inicia calorosos debates sobre as maravilhas da maternidade, é tratada com muita naturalidade por aqui. Tem um monte de gente casada ha milênios que resolve não ter filhos e não tem mesmo. Normal.
A Alemanha é famosa por ser um país bem velho e talvéz essa escassez de criança seja uma das razões pelas quais as pessoas aqui são menos tolerantes do que no Brasil com os pequenos. É raro se ver gente fazendo bilúbilú pra um bebê qualquer que não conhece. Uma mãe empurrando um carrinho de bebê, segurando uma outra criança pela mão e carregando um saco de compras, nem sempre desperta nas pessoas o desejo de levantar e oferecer o lugar no ônibus. Na verdade, eu diria que não desperta nenhum tipo de sentimento. Aqui os corretores listam como desvantagem o fato de um imóvel estar localizado muito próximo a uma escola. Muito barulho; é como justificam a desvalorização. Tem lugares que aceitam animais, mas não aceitam crianças, muita gente se incomoda com elas em restaurante, no mesmo andar do hotel, com os papos de pai e mãe contando estórias sobre seus filhos. E elas literalmente desaparecem das ruas depois das 18:00 horas. Sério mesmo: há oito anos estou aqui e vi somente uma única vez, um casal com um carrinho de bebê na rua depois das 18:00. Eram 20:00 horas e todo mundo que passava por eles lançava uns olhares fulminantes de condenação.
Talvéz por isso, muita gente acaba se isolando do mundo depois que tem filho. É uma faca de dois gumes: Por aqui é muito mais comum achar gente que muda de personalidade depois de ter filho. Muita gente fica chata e sem assunto nenhum que não seja relacionado a bebê. Mas por outro lado o fato de que nem a sociedade é muito receptiva e nem os amigos dão muita chance às pessoas socializarem com seus filhos junto, torna as coisas mais complicadas pros pais.
Em termos de educação é que eu acho muito legal o que eu vejo por aqui. As crianças alemães são muito mais independentes do que as brasileiras. Ainda bem pequenininhas, elas andam ao lado de suas mães sem necessidade de dar a mão. Muitas vezes elas vão é de bicicleta mesmo, as mães na frente e elas atrás como patinhos seguindo a mamãe pata. Elas são educadas desde cedo a serem bem independentes, questionadoras e decididas. Desde cedo elas escolhem as próprias roupas, ganham mesada pra saber administrar seu dinheirinho e são estimuladas a assumir pequenas tarefas em casa muito antes dos brasileirinhos. Marcus, meu afilhadinho quando tinha 4 aninhos, passou um fim de semana aqui em casa e nessa ocasião, me surpreendia por minuto. Sua pouca idade não o impediu de arrumar sua própria bagunça sem eu ter de mandar, me dizer exatamente quais as comidas que gostava e não gostava, o que ele queria assistir antes de dormir, o que ele queria do supermercado (somente um suquinho e um biscoito - quando eu tinha dado opção ilimitada) e quando eu peguei um chapéu qualquer pra ele colocar porque estava frio lá fora, ele disse que queria o outro porque era mais "cool".
Tenho vários amigos que tem filhos e entre eles sinto uma tendência mais flexível do que a do resto das pessoas aqui. Sinto que meus amigos conseguem aproveitar o melhor que a cultura alemã oferece em termos de educação para seus filhos, mas ainda assim mantém a cabeça aberta e a vida tão flexível quanto o dia a dia com as crianças permite. Esse equilíbrio dos melhores aspectos de duas culturas tem resultados maravilhosos, como é o caso de Stela e Shi duas amigas maravilhosas que são dois dos melhores exemplos de mães que eu conheço. Conseguem curtir a vida, os amigos e os filhos numa boa. Conseguem os educarem dentro das espectativas alemães, mas deixando as nóias e a rigidez de lado. Comigo o que percebo é que continuo a gostar e me dar bem com crianças, mas depois de minha experiência ensinando em uma escola pública aqui, resolvi me aposentar de lidar com elas profissionalmente. Mas esse é um assunto complexo que prometo contar em outro post.