Todos
os meios de comunicação aqui no Brasil no momento só querem falar
do Papa Bento XVI. Isso me faz lembrar que há uns cinco anos eu e
meu marido fomos excomungados da igreja católica. Mas calma, não
nos associamos com o chifrudo, não – bate na madeira, lá ele. A
estória, bem babaca na verdade, foi a seguinte.
Nós
dois, canguinhas que só, decidimos que não estávamos mais a fim de
pagar dízimo. Na Alemanha um imposto de até 9% é
descontado de sua renda mensal para sua igreja. Percorremos todo caminho burocrático
para nos desafiliar e ficamos pasmos quando, ao final do
processo, ele recebeu uma carta da igreja da Polônia onde ele foi
batizado, dizendo que era com profunda tristeza que eles concluiam o
processo de seu desligamento da igreja católica. Na mesma carta eles ainda
listavam todos os privilégios de ordem prática e espiritual que ele
estaria perdendo e queriam saber por A mais B se ele estava realmente
certo de sua decisão. A carta termina informando que ainda haveria
uma possibilidade dele desistir de ser excomungado, de se
arrepender e retornar à igreja.
A
carta foi tão enfática e convincente que por pouco não
desistimos do processo. Ficamos nos questionando se talvéz não
fosse melhor mudar de idéia, vai que o juízo final realmente
acontece, que dúvida cruel. Resolvemos esperar minha carta chegar
pra tomar a decisão. Hoje já são quase cinco anos depois e
começo a achar que das duas uma: ou minha carta foi extraviada ou,
ao contrário da igreja católica na Polônia, a do Brasil não está
nem aí pro que vai acontecer com meu imposto, que dirá com meu
espírito depois do armagedom.
Uma
parte de mim ficou indignada, como um filho que descobre que o seu
irmão mais novo é o favorito dos pais. Mas a outra parte
compreendeu na hora o que meu marido chama da "leveza religiosa
do Brasil". É como se o Brasil dissesse: "Não quer ser
católico? Que pena ou que bom - você escolhe." Poder ter essa liberdade também é muito bom.
Na
minha opinão, quando episódios de intolerância religiosa no Brasil se manifestam, eles surgem das cabeças limitadas de certos indivíduos e não do
estado. Muito pelo contrário, nossa constituição assegura
a igualdade e liberdade religiosas e preve penas pra quem desrespeita isso. Ano passado, uns turistas
alemães que estavam aqui em casa, me chamaram atenção para uns
informes de utilidade pública que de vez em quando se via aqui
na TV. Nesses informes, líderes de comunidades religiosas diferentes
explicavam um pouco de suas doutrinas. Até agora já ví do budismo,
judaísmo, islamismo e xintoísmo, mas sei que existem muitos outros.
Os alemães que viram isso ficaram fascinados. Acharam interessante
também o nome de um bairro aqui de Salvador - "Jardim de Alah"
- e ficaram de queixo caído com o que eu lhes expliquei sobre o sincretismo
religioso, que faz parte de nossa cultura. Aqui em Salvador, além do Jardim de Alah, os visitantes podem também encontrar um "Terreiro de Jesus". Isso tudo é meio difícil de
imaginar na Alemanha.
A
Alemanha é, na sua grande maioria, protestante no norte e católica
no sul. No entanto, existe uma série de outras religiões sendo
praticadas por lá também. Até onde eu sei, o governo diz que não se mistura com religião, mas também não se assume estritamente laico e na prática vive discutindo o assunto e criando medidas contra certas práticas religiosas. E
é aí onde está o xis da questão.
O que eu acho que é bem tranquilo na Alemanha é admitir que se é ateu ou agnóstico. Lá ninguém se choca quando uma pessoa diz algo assim. Aqui esse tema é meio complicado, tem muita gente que fica inconformada, tentando mudar a opinião do
outro se ele revela uma coisa dessas. Mas voltando à Alemanha, lá além de protestantes e católicos, existem também mulçumanos,
judeus e outras minorias religiosas. A constituição alemã também assegura
o direito de liberdade religiosa, mas todo mundo sabe que a
maravilhosa equidade das constituições nem sempre pode ser
traduzida de forma tranquila pra vida prática. Na realidade, o que
se observa no terreno religioso na Alemanha, é que parece que tudo que vem do islamismo incomoda todo mundo.
Em
torno deles tudo vira uma interminável discussão, que se revela um
poderoso sonífero para uma pessoa que como eu, não dá a mínima
pra religião nenhuma. Mas brincadeiras à parte tudo no islamismo
gera polêmica na Alemanha. Desde a construção de novas mesquitas à
mulheres que usam lenço ou burca. Aí todos os argumentos de liberdade religiosa da Alemanha acabam caindo por terra. Nesse sentido, o Brasil está
longe de ser o paraíso da tolerância religiosa, mas em comparação,
acho que estamos melhor na fita.