Logo
que cheguei lá na Alemanha há dez anos, percebi que era muito
difícil ser a mesma mulher que eu sempre fui aqui. A minha
maior dificuldade era com meus ataques de peruice. É que apesar de
eu estar longe de ser uma perua de verdade (eu sou do tipo que vai
pra rua de bob no cabelo se for preciso), eu definitivamente tenho
meus momentos de liberar a diva que existe em mim. E ela é um
espetáculo! Se amarra na cor rosa, bolsas, olho pintadão, gliter,
esmalte de cor berrante e batom vermelho hemorragia. A
minha perua, sempre esteve lá desde que eu era pequena e por
mais que eu queira culpar meus pais por isso – afinal de contas eles foram meus primeiros modelos de
gênero - sei que não ia colar. Eu explico porque não.
Minha
mãe sempre foi uma mulher vaidosa, mas sem exageros. Sempre cuidou
de si mesma sem ser escrava de modelos impostos pela mídia e
sociedade. Parece discurso cliché, mas não é. Minha mãe saiu de
uma cidadezinha do interior da Bahia aos 16 anos de idade pra tentar
a vida na capital porque queria ganhar dinheiro e melhorar de vida.
Conseguiu isso trabalhando em uma oficina mecânica onde também
adquiriu experiência e conhecimento necessários para mais tarde
abrir a sua própria. A oficina dela era especializada em vender
peças e consertar, não carrinhos delicados e sim os motores diesel
de veículos carga pesada como caminhões e tratores. Na época em
que as mulheres de sua cidade se chocavam ao ver uma mulher dirigir,
minha mãe chegava lá atrás do volante de uma caminhonete
F1000. Foi ela quem me deu dois de meus brinquedos favoritos: uma
boneca Barbie noiva e uma miniatura
de escavadeira Caterpillar, presente do fabricante por ela ser a
primeira oficina autorizada deles na Bahia. Pra mim, minha mãe é um
dos melhores exemplos de emancipação feminina do mundo.
Meu
pai, por sua vez, se interessava por roupas, fazia as unhas, limpeza
de pele e cuidava do cabelo num tempo em que nem se sonhava falar de
metrosexualismo. Ou seja, por puro acidente do destino, cresci em um
ambiente no qual os esterótipos de gênero não encontravam muito
reforço. Digo que foi por acidente, porque meus pais vieram de
famílias simples e não tiveram aceso a meios altamente
intelectualizados. Eles estavam me fazendo um grande favor e nem
sabiam. Apesar da pouca escolaridade de meus pais, eles me educaram
de uma forma que alimentava minha auto-confiança enquanto menina, me
moldaram para que eu crescesse com a certeza de que poderia ser dona
de casa ou austronauta se eu assim desejasse e sempre me certificaram
de que minhas escolhas de vida não deveriam ser limitadas pelo meu
gênero. Acho que por isso nunca tive problemas com minha perua
interior, que era dominante quando eu era criança, mas que foi
ficando mais discreta com o passar dos anos. Nunca necessariamente me
envergonhei nem me orgulhei dela. Ela sempre foi parte de mim, só
isso. Bem natural.
Mas
aí veio a Alemanha. Lá as mulheres são super fortes e emancipadas.
Ser feminista é praticamente um imperativo para elas e eu as
admiro muito por isso. Mas como às vezes acontece na Alemanha,
boas idéias muitas vezes tem um gostinho amargo devido aos exageros
e à tendência de muitos a julgar precipitadamente. Um grande número
de mulheres alemães são tão convencidas de que encontraram a
fórmula perfeita de ser mulher que acabam se comportando de forma
desrespeitosa com outras companheiras. A perua que existe em mim, por
exemplo, demorou muito até se sentir à vontade pra aparecer naquele
ambiente.
A
impressão que eu tenho é que quanto mais alto o círculo
intelectual, maior preconceito uma mulher vaidosa vai encontrar em terras germânicas.
Quando eu dava aula em Hemelingen, em uma escola pra adolescentes e
jovens adultos em situação de risco, as meninas e mulheres se
vestiam na moda, usavam maquiagem, pintavam as unhas e observavam nas
roupas e cabelos umas das outras. Não raro eu também era alvo dessa
observação, e assim como acontece no Brasil, elas me perguntavam
onde eu tinha comprado meu casaco, elogiavam minhas botas etc.
Já
na universidade o que imperava era a praticidade. Quase todas as
professoras tinham cabelo curto, quase nenhuma tinha unhas longas ou
pintadas, nenhuma usava salto alto e a maquiagem era quase
imperceptível. Esse assunto também era meio tabu e quem se
interessava por isso era imediatamente tachada de fútil e escrava da
sociedade machista. Uma vez causei o maior rebu sem querer em uma
aula porque revelei que quando criança eu era uma garota cor-de-rosa
e que meus pais nem ligavam para isso. A galera discutiu, se
enfureceu, questionaram os valores da cultura sul-americana
patriarcal, machista. Eu só ouvindo, até ter uma chance de
acrescentar um dado importante; toda essa estória que eu contei pra
vocês aqui no post de como meus pais na verdade eram bem à frente de
seu tempo nesse sentido. A maioria ficou morta de vergonha, mas
muitos ainda inconformados, procuravam formas de justificar suas
opiniões sem ter de admitir o óbvio: que seus preconceitos os
levaram a julgar precipitadamente. Tenho certeza que as reações
a minha estória foram um pouco mais enfáticas pelo fato de eu ser
estrangeira. Uma mulher sul americana não correspondendo aos
clichés de mulherzinha fútil e submissa apesar do visual fechativo para muitos é o fim.
A
moral da estória pra mim é a seguinte: ao contrário do que a
opinião geral espera e prefere ouvir, nem toda turca é submissa e
reprimida porque usa um lenço que cobre os cabelos. Nem toda
brasileira é escrava de uma sociedade machista porque se enfeita
toda feito pavão e nem toda alemã é emancipada porque tem cabelo
curto e usa roupas práticas.O importante é ter a liberdade de
sermos a mulher que quisermos ser. Usando as sábias palavras da
fantástica atriz Annette Bening "a coisa mais maravilhosa que eu
sinto que posso dar a minha filha são escolhas." E aos filhos também, né? E você nem imaginam o quanto eu sou feliz
de saber que sou uma mulher com muitas, mas muitas escolhas mesmo.
Desejo
a todas as pessoas que leem esse blog, um dia cheio de
possibilidades, escolhas próprias e encontros livres de idéias
estereotipadas. Sejam quem quiserem ser e respeitem o direito do
outro de fazer o mesmo. A todos vocês, Feliz dia das mulheres!