Tem
um blog alemão
de humor e variedade que eu adoro futucar nas horas vagas. Ele junta
vários videos interessantes e engraçados
que pessoas do mundo todo mandam pra ele. Os comentários são
ótimos e boa parte dos vídeos também. Essa semana encontrei um (enviado por Theo bat schandorff), que primeiro me fez sorrir e depois me colocou pra pensar muito.
Assistam:
Pra
quem não entendeu nada, se
trata do festival Roskilde na Dinamarca, e o que vocês podem ver é
uma patrulha policial. A "viatura" é uma espécie de
boombox gigante, empurrada por uma pessoa e puxada por outra,
provavelmente participantes do festival. Em cima do carro uma
reporter pega carona com seu instrumento de trabalho. Ao lado dela,
dois policiais sorridentes vão
curtindo o som de KRS One – Sound of da Police.
Nos
comentários abaixo do post no blog, se
lê pessoas confirmando que o clima lá nesse festival é assim
mesmo. Todo mundo relaxado e engraçadinho inclusive a polícia.
Conversando com uma professora dinamarquesa lá da escola onde
trabalho, ela me disse que a polícia deles tem fama de ser assim
mesmo: leve, super tranquila e muito, mas muito educada mesmo. Sei
que é covardia querer comparar Dinamarca com Brasil, mas não pude
deixar de pensar em nossa polícia e como tudo é diferente por lá.
Eu
sei que existem vários fatores que fazem a polícia brasiliera ser
do jeito que é. Sempre tem. História, péssimos salários, formação
ruim, falta de investimento em especializações, péssimo
treinamento, falta de incentivo e reconhecimento dentro da
corporação, condições de trabalho precárias e extremamente
perigosas e a lista não para. Eu sei que não é fácil ser policial
no Brasil. Mas também sei que não é fácil ser cidadã/o e
depender dessa instituição. Quando vejo a forma como nossa polícia
tem lidado com manifestantes e a imprensa, e principalmente como lida
com a população negra de baixa renda, fico assustada. Não queria
pensar assim, mas na verdade a máxima que diz "não sei se
tenho mais medo de ladrão ou de polícia" é a mais pura
verdade.
Assisto
novamente o video desse festival dinamarquês e fico pensado em como
a imagem é surreal. Policiais felizes, provavelmente bem treinados e
ganhando bem, podendo exercer sua profissão sem medo, integrados no
ambiente no qual tem de trabalhar, fazendo seu trabalho sem assustar
ninguém. O pessoal no video parece estar curtindo a piada e não
morrendo de receio de ser aleiatoriamente vítima de violência
policial. A ironia da cena vem do fato que a letra da música que
eles estão ouvindo tão despreocupados, lembra mais a realidade de
outros cantos do mundo do que a deles próprios. KRS One canta sobre
os Estados Unidos, mas bem que poderia estar cantando sobre o Brasil.
Na
música o
rapper compara o policial com um "overseer", um feitor "e
faz uma exigência: "First show a little respect, change your
behavior/ Change your attitude, change your plan" que
traduzindo fica assim: demonstre um pouco de respeito, mude seu
comportamento, mude sua atitude, mude seu plano. E é verdade, né?
Nem nos Estados Unidos, nem no Brasil, a comunidade negra carente
pode contar com proteção policial. Pelo contrário, este grupo
social é vítima constante de constragimentos e humilhação ao
lidar com a polícia, normalmente já de cara sendo tratados como
suspeitos e eternas vítimas do racismo institucionalizado do Brasil.
A sociedade, por sua vez, é conivente com esse quadro, quando
prefere ignorar que a grande maioria das vítimas de mortes violentas
no país tem um perfil mais do que claro: morador de periferia, jovem
e negro.
Me
dá medo quando percebo que além de não se indignar com essa
situação, nossa sociedade ainda começa a defender medidas
drásticas como a diminuição da idade penal. Se isso algum dia isso
virar realidade, o perfil dos alvos favoritos da polícia mudaria de
jovens negros entre 19 e 24 anos para ainda mais jovens e isso é
assustador. Minha tendência é achar que a solução para quase
todos os problemas sociais do planeta é educação. Uma sociedade
bem educada conhece bem seus direitos e deveres e por isso sabe
acompanhar o trabalho de seus representantes e quando necessário
exigir mudanças. Uma sociedade bem educada também sabe que é
importante estar atento e envolvido em diversas questões sociais e
não somente com aquelas que tem a ver com o próprio umbigo.Uma
força policial bem educada, por sua vez, conhece bem a população a
qual tem de servir,
seus problemas e a melhor forma de lidar com eles. Uma polícia bem
educada sabe que seu lugar não é acima da lei e sabe que eles não
são pagos pra coagir ninguém.
Educação
faz as pessoas mais críticas e menos dispostas a seguir ordens
cegamente. Mais educação significa menos vítimas de qualquer
coisa, seja de crimes violentos, opressão ou destino. Com educação
o ser humano fica mais firme pra fazer as próprias escolhas e
aceitar as consequências delas e discursões se tornam hábito,
atividade corriqueira.
Não
dá mais pra evitar discutir sobre a polícia brasileira. Já passou
da hora de toda sua estrutura, treinamento, atitude e filosofia serem
colocadas em questão. Mas enquanto a gente preferir acreditar que
cadeia é melhor que escola e que as mortes da periferia não tem
nada a ver com a gente, as frases que eu retirei do rap de KRS One
(e esse rap é de 1993), infelizmente sempre corresponderão à nossa
(vergonhosa) realidade.
"I
know this for a fact, you don't like how I act
Eu
sei que isso é um fato, você não gosta de como eu ajo
The
overseer rode around the plantation
O
feitor cavalgava pela plantação
The
officer is off patroling all the nation
O
policial tá por aí patrulhando a nação
The
overseer could stop you what you're doing
O
feitor podia parar o que você está fazendo
if
you fought back, the overseer had the right to kill
Se
você se defendesse, o feitor tinha o direito de matar
The
officer has the right to arrest
O
policial tem o direito de prender
And
if you fight back they put a hole in your chest!
E
se você se defender eles metem bala em seu peito
They
both ride horses
Os
dois andam a cavalo
After
400 years, I've got no choices!
400
anos mais tarde eu não tenho escolha!
My
grandfather had to deal with the cops
Meu
avô tinha ade lidar com policiais
My
great-grandfather dealt with the cops
Meu
bisavô tinha de lidar com policiais
And
then my great, great, great, great... when it's gonna stop?!
O meu tataravô ... quando isso vai acabar?
O meu tataravô ... quando isso vai acabar?
Eu me pergunto o mesmo. Quando esse ciclo doente vai parar? Quando as pessoas começarão a apreciar o componente africano de nossa cultura em qualquer época do ano e não somente no carnaval? Quando vão parar de ignorar que a desigualdade social no Brasil está intimamente ligada com o racismo e parar de ficar investindo tanta energia em negar que ele existe?Quando vamos nos indignar com essa polícia repressora, despreparada e assassina da juventude negra? Quando vamos finalmente entender que não existe desenvolvimento verdadeiro enquanto existirem grupos que são deixados pra trás? Quando?
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Post para As Blogueiras Negras. Postado dia 02 de Agosto de 2013.