Mês
passado fui convidada para um bate-papo com os jovens do Instituto
JCPM em Salvador. Este convite, que me pegou de surpresa e me encheu
de felicidade, foi feito depois dos educadores do projeto terem
trabalhado meu texto "Lidando com o racismo" em sala. Antes
de ir falar com eles, eu já tinha lido as cartas que estes jovens
escreveram para mim. Nelas, além de relatarem suas impressões sobre
meu texto, eles me contaram suas próprias experiências com racismo.
Lá
fui eu então conhecer os jovens e falar com eles. Estava meio
nervosa, sem saber o que esperar, mas me sentindo extremamente
honrada pelo convite e ao mesmo tempo bem ciente do tamanho da
responsabilidade que vinha com esta honra. Olhar para eles e ouvir o
que tinham a dizer me fez lembrar da adolescente que eu fui, cheia de
energia, dilemas e inseguranças próprias dessa fase da vida e, como
se isso não fosse suficiente, ainda tendo de lidar com questões de
preconceito. O encontro com eles me fez pensar muito sobre os
processos que temos de passar ao crescer em uma sociedade hipócrita
como a nossa. Depois da conversa com eles, fiquei pensando muito
sobre o seguinte:
- Questão de identidade racial
O
brasileiro é um povo todo misturado. A gente cresce ouvindo isso à
exaustão e é verdade mesmo: somos misturados. No entanto, apesar
dessa miscigenação toda, na maioria dos casos é possível
identificar quem é negro e quem não é, tanto que há
discriminação. Ou seja, crescemos ouvindo que somos iguais, mas o
mundo nos diz que somos diferentes de uma forma bem negativa.
Como
ninguém gosta de ser associado a coisa ruim, é natural que surjam
jeitinhos de tentar minimizar a forma negativa como somos percebidos.
É aí que entram as tão pervesas estratégias de branqueamento.
Desta forma, muito negro acaba virando moreno, moreninho, cabo-verde
e por aí vai. Quando perguntei quem dentre eles se considerava
negro, um número surpreendente de negros não levantou a mão. É
sem dúvida nenhuma uma pena que nossa educação social ainda não
tenha encontrado modos de fortalecer a identidade racial de crianças
e adolescentes para que ninguém precise se envergonhar de ser quem
é.
- Auto rejeição
Tanto
nas cartas quanto no encontro, os jovens relataram suas experiências
chocantes com o racismo. Aquelxs meninxs, entre 16 e 24 anos, já
foram seguidos por seguranças de loja e shopping centers, negadxs
atendimento em loja, ignoradxs quando tentavam obter algum serviço,
abusadxs verbalmente com palavras tão duras que eu me recuso a
repetir aqui e humilhadxs de diversas outras formas diferentes, antes
mesmo de se tornarem adultos no sentido pleno da palavra e da
experiência. Não precisa ser
nenhum gênio para entender quantos danos isso pode causar ao
emocional e psicológico de um ser humano que cresce tendo de lidar
com isso.
Da
mesma forma, dá pra entender porque a indústria do
alisamento/relaxamento de cabelos movimenta milhões em qualquer
lugar do mundo. Tem mães por aí, que com a intenção nobre de
proteger e cuidar, ficam contando os dias até finalmente poderem
começar a relaxar os cabelos das filhas. E assim, ao invés de
aprender a nos amarmos e aceitarmos como somos, acabamos por
internalizar a idéia de que nosso cabelo é "ruim" e que
precisa ser domado. Como se isso já não fosse suficientemente
triste, constatei que muitos daqueles jovens negros consideram as
palavras "negro" e "preto" xingamentos. Que
triste crescer em uma sociedade que te ensina a rejeitar até mesmo
os termos que definem sua identidade.
- A negação do problema
Uma
das formas mais maquiavélicas de garantir a perpetuação do racismo
é negar que ele existe. Esta é uma estratégia cruel porque cega
toda a sociedade para o problema e torna o seu combate tarefa
impossível. Afinal de contas, como solucionar um problema que não
existe? O mais lamentável é perceber que essa armadilha bem montada
pega qualquer um, até mesmo nós, os negros. Fiquei comovida ao
ouvir um menino dizer que ele sempre achou que nunca tinha sido alvo
de racismo, até darem início às discussões sobre o tema em sala.
A partir daí ele começou a relembrar situações do passado e pôde
constatar que já tinha sido discriminado sim, inúmeras vezes.
O
encontro com os educadores e jovens desse instituto foi uma
experiência riquíssima em minha vida. Recebi muito carinho e tive a
oportunidade de mais uma vez confirmar o quanto é importante
despertar a atenção das pessoas para questões sociais e de
identidade o quanto antes. É fundamental estimular as crianças
desde bem cedo a se amarem e se aceitarem exatamente como são, e a
nunca duvidarem de sua importância e do seu valor no mundo. Também
é importante estimular o quanto antes o interesse em conhecer a
própria história para melhor entender sua realidade atual. A pessoa
que cresce sendo incentivada dessa forma, muito provavelmente se
tornará um cidadão seguro, consciente de sua importância e
sensível para as questões e os dilemas de outros seres humanos. E
não é assim que se forma uma sociedade verdadeiramente igualitária?
Para
saber mais sobre o instituto clique aqui. Para saber mais detalhes
sobre minha visita aos jovens de lá, clique aqui e aqui.
foto de André Pacheco:-)
Talvez esse testemunho possa ajudar
ResponderExcluirhttp://www.aleteia.org/pt/estilo-de-vida/video/a-mulher-mais-feia-do-mundo-e-sua-licao-de-vida-5906719842500608