quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Cidade Maravilhosa

Olha, agora eu entendo direitinho porque o Rio de Janeiro foi apelidada Cidade Maravilhosa. Que cidade linda! Me apaixonei à primeira vista e sei como Tom Jobim se sentia: também "estou morrendo de saudades". E não foi só a beleza física daquela cidade que me conquistou não. A cidade maravilhosa também tem um astral maravilhoso, uma energia vibrante e clima boêmio por onde quer que você vá. Como se isso não fosse suficiente, o Rio fez eu me surpreender comigo mesma. Eu vou contar como:

Quando eu viajo, não me acanho nem um pouco de fazer papel de turistona mesmo. Quero ver as atrações principais, faço fotos até o dedo fazer calo e se for diferente do que eu conheço, quero ver, ouvir, fazer, conhecer. Tudo sem agonia, mas também sem me envergonhar nem um pouquinho de ser turista. Por isso, apesar de não ser nada religiosa e de não ter nenhuma simpatia especial pela igreja católica fiz questão de ir ver o Cristo, é claro. O ônibus de linha que nos levou ao Corcovado parecia mais um ônibus de turismo. Só tinha gente, que como nós, tinha viajado muito pra estar ali naquela cidade. 

Em um determinado ponto, uma família de turistas estrangeiros entrou no ônibus. Eles falavam espanhol e um dos meninos, que deveria ter seus seis anos, ia observando as paisagens da cidade e comentando o que via com seus pais. De repente, o Cristo pode ser visto lá do alto. Muitas pessoas apontaram e comentaram, mas esse menino gritou mesmo "Olha, olha o Cristo!!!". Sem que eu pudesse entender ou controlar minha reação, as lágrimas começaram a rolar de meus olhos. Não entendi nada. O menino, por sua vez, gritava empolgado toda vez que o Cristo reaparecia à distância e isso de repente fez minhas mãos gelarem, meu coração palpitar e enquanto tentava conter minhas lágrimas, percebia minha ansiedade aumentar aguardando o momento em que o garoto avistaria e anunciaria a atração. No final das contas estava gritando junto com ele "Cristo! Cristo! Cristo!" "Fale sério, Cris. Quanta abestalhação!!!" pensei comigo mesma.  Mas algo mais forte do que eu me impedia de me comportar como uma adulta normal naquele momento.

Podem me chamar de brega se quiserem, mas acho que naquele instante, me senti tocada diante do maravilhoso que era estar perto de um monumento que já tinha sido visitado por milhões de pessoas de lugares diferentes antes de mim. Me emocionei de novo só de pensar que aquela turistada toda que ali estava naquele momento, por mais diferentes que fossem, tinham um desejo em comum. O desejo de subir aquele morro, admirar a paisagem, fazer fotos de braços abertos na frente daquele monumento e de depois voltar pra casa, mostar suas fotos aos amigos e dizer "eu estive alí". Naquele momento pensei que realmente somos todos iguais e mais uma vez me emocionei. Fui invadida por uma onda de felicidade e euforia de estar ali, muito parecida com a do menino do ônibus. Só que dessa vez troquei as lágrimas pelas fotos pra poder provar depois que eu estive ali.

Me peguei instintivamente fazendo uma oração na qual eu agradecia à Deus por ter permitido que, apesar de todo o pragmatismo que a gente é obrigado a cultivar pra sobreviver nesse nosso mundo, eu ainda fosse capaz de manter um olhar maravilhado com as coisas, de poder me surpreender com pouco e me emocionar tão facilmente com uma coisa tão banal como uma atração turística. Agradeci por isso e por ainda conseguir, do auge de meus 35 anos, ter a mesma reação inocente que uma criança diante de uma experiência emocionante.

Então é isso mesmo, viu. Sou bobona e infantil e não consigo manter a pose por muito tempo. Se quiserem gritem comigo com empogação: Cristo Redentor! Rio de Janeiroooooo! Rio! Rio! Rio! Cidade Maravilhosaaaaaaaa! Aquele abraço.

Cris e Cristo em pose super original.



quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Socorro!!!

Voltar pra minha terra natal me dá a oportunidade de lançar um novo olhar sobre a minha cultura. Coisas que antes eram super normais, cotidianas e despercebidas de repente saltam os olhos. Este é um momento interessante, que eu faço questão de não deixar passar em branco. O que tem chamado bastante minha atenção recentemente é como a crescente violência em Salvador tem transformado o comportamento das pessoas. Até meus amigos mais relaxados e tranquilões estão virando uma pilha de nervos. Isso me assusta enormemente. Outra mudança de comportamento que eu observei (já de muuuuuuuito tempo, mas agora está demais) é que pra se proteger um pouquinho que seja da violência, os Soteropolitanos abrem de mão de cada vez mais direitos, de cada vez mais liberdades.

Exemplos: já faz tempo que a gente não pode sacar quanto a gente quer de nosso próprio dinheiro nos caixas eletrônicos. Pra evitar que seus clientes sejam completamente roubados, os bancos instituiram limites de saques nessas máquinas. As operadoras de cartões de crédito seguiram a moda e monitoram de perto as compras de seus associados. Também bloqueiam seus cartões assim que uma atividade atípica é detectada. Agora já não se pode usar o celular dentro dos bancos para evitar que marginais alertem seus comparsas do lado de fora do banco sobre quem sacou dinheiro. Outro dia ouvi uma entrevista de um bambambam da polícia dando dicas de como fazer pra sair vivo de um assalto. Me indignei! claro que eu entendo a lógica de tudo isso. Claro que quando alguém é assaltado, depois de passado o susto da situação, é um consolo saber que o bandido não vai poder raspar a sua conta. Claro que eu entendo medidas preventivas, claro que eu entendo o se querer tomar cuidado. Mas eu faço aqui um convite à filosofar e filosofando, o que eu percebo é o seguinte:

Nós abrimos mão de nosso direito de liberdade. Não podemos sacar nosso dinheiro, ficar dentro de nossos carros, entrar em certos bairros, usar nosso celular onde nos der na telha, andar de moto sem virar suspeito, usar nossos cartões de crédito pra sermos espontâneos, nem tirar meleca do próprio nariz, afinal de contas estamos sendo filmados. Ao invés disso, as autoridades responsáveis por garantir nossa segurança e liberdade nos ensina a aceitar o crime como parte normal de nossas vidas. Agem como se fosse ok oficializar o medo, estimular a acomodação. Prendem as pessoas comuns em um estado de pânico eterno enquanto a criminalidade vai crescendo à vontade. Na boa, vocês conseguem pensar uma coisa mais estranha do que viver em um país (que não está em estado de guerra) e ser obrigado a pensar que "graças a deus que ele só levou meu carro, mas não me deu um tiro", "ainda bem que só foi um tiro de raspão" "ele ficou em coma depois de ter recebido uma bala na cabeça, mas sobreviveu". Será que é mesmo engraçado apelidar um golpe, que muitas vezes resulta em morte de pessoas inocentes de "saidinha bancária". É pra ser bonitinho? Vamos nomear a prática para normalizá-la? É isso?

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Uma estranha em dois ninhos


Acabei de perceber que estou dividida entre dois mundos. É uma pena, mas ainda não posso dizer que me sinto cem por cento em casa na Alemanha. Normal, afinal de contas se adaptar a um novo país não é assim tão simples como a gente imagina. Leva tempo, custa muita energia e algumas lágrimas. O problema é que estou percebendo que ao poucos já não me sinto mais cem por cento em casa em Salvador também. Fico observando minhas reações diferentes às coisas com as quais eu era acostumada antes. Hoje o trânsito me irrita, os relatos de violência me assustam, as comidas me dão dor de barriga.

Se bem que peraí... As comidas me dão dor de barriga porque eu estou abusando. Estou comendo três ao invés de um acarajé, feijoada quase todo dia, carregando a mão na pimenta com absolutamente tudo. Claro que isso só podia dar em merda, literalmente. Mas pensar nas comidinhas de minha terra me faz lembrar de outras coisas boas daqui, coisas que me fazem voltar a me sentir em casa. Meus amigos, minha família, meu idioma, meu sotaque, minha música, meu Baêa. Minha Bahia. Pensando bem, isso aqui é minha casa sim e nunca vai deixar de ser.

Mas peraí de novo... Falar de tudo isso estranhamente me remeteu de volta a Bremen e me fez lembrar das coisas que eu tenho lá. Meu amor, minha casa, meu trabalho, meus estudos, meus outros amigos, meus afilhadinhos, minhas Bruxas, minha Weizenbier geladinha com as meninas no bar do vento, a primavera verdinha e florida, o outono amarelinho com uma luz que parece vinda de efeitos especiais de um filme,  o Bürgerpark logo ali do lado, minhas baratonas, a segurança de voltar pra casa depois da farra e de só ter de me preocupar em achar o caminho de casa. É, parece que Bremen também se estabeleceu como minha casa. 

Sabe o que é que eu acho que aconteceu? Nesse complicado processo de imigração parece que eu deixei de ser homeless pra ser "homefull". De "despatriada" para "multipatriada". Passei de perdida no mundo, pra estar com meus pés firmes em duas culturas diferentes de países lindos e especiais, cada um de seu jeito. Entre pessoas maravilhosas aqui e lá que contribuem para que eu seja um ser humano em constante formação e cada vez melhor. Um pouco dividida sim, mas entre muita coisa boa de dois continentes.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Interrompendo a biografia

Quando a gente pensa em mudar pra outro país, no geral não faz idéia da caixinha de surpresas que está por abrir. Tem um monte de questões complicadas de lidar, tipo a ansiedade da preparação pra nova vida, o processo de adaptação à nova cultura e sociedade e a dor de ter de deixar muita coisa pra trás. Há mais ou menos um ano eu estava lidando com minhas próprias neuras relacionadas ao meu próprio processo de imigração pra Alemanha, quando minha amiga Flora me sugeriu fazer um curso que ela mesma estava fazendo e achando muito interessante. Tratava-se de um curso que tinha como objetivo (trans)formar profissionais com alguma formação na área de humanas (professores, psicólogos, assistentes sociais e por aí vai) em palestrantes e facilitadores aptos à oferecer cursos tanto para imigrantes, (para que eles passassem a entender e melhor lidar com seus processos de imigração e através disso poderem se adaptar melhor à nova cultura) como também para diversas instituições que lidam com imigrantes, como escolas, polícia, empresas e assim por diante.

Esse curso abriu meu olhos pra coisas maravilhosas, interessantíssimas e extremamente importantes tanto para minha formação como profissional quanto para meu ser humano. Como tantas coisas na área das ciências humanas, tive o prazer de abrir portas para conhecimentos de grande magnitude que agora são impossíveis de ignorar. Uma dessas descobertas foi a de um conceito interessante que eu vou aqui traduzir toscamente como "corte biográfico". Deixa eu  tentar explicar bem rapidinho como é isso:

Para isso vou apresentar vocês a uma mulher chamada Tatiana. Tati quando criança morou no Cabula, ali um pouco antes da Uneb. Depois ela e sua família se mudaram para a Pituba, pra uma rua que fazia esquina com a Manoel Dias. Na quarta série ela foi estudar no Teresa e muitas vezes ia andando de lá até o Iguatemi pra filar aula com suas amigas. Uma vez, sua mãe encontrou com ela filando aula no shopping e como castigo ela não pode ir a uma festa de 15 anos que ia ter no prédio dela naquela semana. Mas Tatiana no geral era uma adolescente tranquila. Acabou fazendo vestibular pra Letras, primeiro na Católica, mas se desgostou de lá e depois de três semestres foi pra Ufba onde apesar de muitas greves se formou.

Quem for de Salvador, não só vai entender a estória de Tati, como também vai ser capaz de chegar a certas conclusões sobre ela, apesar de nunca tê-la conhecido. Por exemplo, quem é de Salvador sabe que o Teresa era uma escola bem conceituada nesta cidade, que depois décadas de funcionamento fechou as portas. Só de ouvir essa estória também dá pra ter uma idéia da classe social na qual Tatiana cresceu, só em saber em que bairros ela morrou. Até quem não é de Salvador, mas que é brasileiro, sabe que Iguatemi é um shopping center e o que uma festinha de 15 anos significa pra uma adolescente.

Agora imagine essa mesma Tati contando coisas de sua infância e adolescência para um amigo alemão. Se ela quiser realmente ser entendida, vai ter de dar inúmeras explicações paralelas à estória que só quem já passou por isso pra saber como é desestimulante. E inútil também, porque assim como piada explicada perde a graça, estórias cheias de parêntesis perdem o sentido. Esse é o tal do corte biográfico. Essa quebra da biografia de uma pessoa que a obriga a estar sempre se explicando. Fica complicado falar de seu prédio, sua rua, sua escola, os programas de TV que você assistia, suas experiências enfim,  porque muitas vezes vai ser difícil encontar alguém que possa dizer sendo bem sincero mesmo "eu sei exatamente o que é isso". Nenhuma estória pode ser simples, tudo tem de ser cheio de pausas explicativas e isso cansa. E quem sai de sua terra, mesmo que seja somente pra uma outra cidade já passa por isso. Por esse mesmo motivo também é que a cidade natal no geral tem um lugar especial nas recordações dos imigrantes. E claro, quanto mais você imigra, mais cortes como esse você vive. Não quero dizer que isso seja ruim. É só muito compexo e pode ser cansativo.

Eu me acostumei com a sensação de ter perdido parte de minha estória. No iniciozinho ainda caía nessa de explicar mil coisas pra fazer uma coisinha ser de fato compreendida. Depois aprendi que valia mais à pena me calar, ouvir mais, aprender mais. Foi dífícil, mas hoje em dia é tranquilo. O único problema é que o hábito de me explicar demais persistiu. Por exemplo, agora eu precisei falar tudo isso aí só pra dizer o quanto eu estou feliz de estar de volta a um lugar no qual minhas palavras não precisam de parêntesis nem notas de rodapé.