Uma das coisas que eu mais amo em Bremen são meus amigos. Fiz tantos amigos novos aqui que hoje em dia fica muito difícil pra mim imaginar uma vida sem essa cidade e sem essas pessoas maravilhosas. No meio desse grupo fantástico de novos amigos, tenho de destacar minhas amigas brasileiras. Elas são sem dúvida nenhuma minha família substituta aqui tão longe de casa. Me considero uma pessoa de muita sorte, porque além de ter essas amigas especiais, tive o prazer de conhecer muita gente boa de vários cantos do Brasil e com isso, descobrir melhor minha própria cultura. Hoje me envergonho ao perceber que sei tão pouco sobre o Norte do país, me divirto muito com as nossa diferenças linguísticas e cada encontro com essa brasileirada do bem além de terapêutico é um delicioso aprendizado.
Mas infelizmente nem tudo é cor de rosa e bonitinho com meu conterrâneos. Pra cada brasileiro gente boa que encontrei por aqui, já tive também o desprazer de conhecer pelo menos um outro que me fez hesitar pra dizer que também era brasileira. Na boa, alguns de meus compatriotas aqui me chocam de uma forma que eu chego a ficar sem palavras.
Tem por exemplo os que só fazem reclamar da Alemanha. E de forma bem mal educada e pouco reflexiva. Para esses aí, os alemães são todos iguais, todos frios, todos distantes, grossos etc. Esses não esperam nem os alemães darem as costas pra falar mal deles. Tá tudo bem, os costumes são muitas vezes muito diferentes, mas onde está a cortesia? O tentar se adaptar? E os nossos próprios mau costumes? Não concordo com a teoria dos incomodados que se mudem, nem com a de que se está na terra dos outros tem mais é que abaixar a cabeça e se enquadrar. O ser humano ter direito de ficar ou não onde quiser e demonstrar insatisfação com o mundo ao seu redor não precisa ser uma coisa ruim. Afinal de contas as grandes e importantes mudanças muitas vezes começam à partir do momento que um grupo de pessoas demonstra sua insatisfação com algo. Mas tem muito brasileiro aqui que reclama e fala mal da Alemanha por simples falta de assunto. Pra esses aí eu sugiro assistir o jornal, ler um livro, comprar uma revista. O mundo está cheio de assunto interessante pra ser discutido.
Ainda piores do que os brasileiros reclamões, tem aqueles que julgam e discriminam o próprio povo. Donos de cabecinhas menores do que as de alfinete, esses contribuem para que as babaquices ideológicas que emporcalham nossa sociedade sejam exportadas e multiplicadas internacionalmente. Por exemplo, uma vez um certo cidadão universitário, proviniente de uma família de classse média do Recife, ou seja, o cara do qual se espera um certo nível intelectual e acesso a outros mundos que não só o próprio, me saiu com o seguinte comentário depos de ter acabado de me conhecer e batido o maior papo comigo em uma festa: “É interessante vez que uma pessoa assim como você é professora e inteligente. Aqui na Alemanha, as brasileiras assim como você no geral são empregadas domésticas ou dançarinas de samba”. Olha, pra falar a verdade, nem sei se entendi o que o cabra quis dizer. O que será que ele entende por “pessoas assim como você”. Será que ele quis dizer “negra”, "nordestina"? Mas nordestino ele também é. Não posso imaginar que ele estava atacando a si mesmo. Seja o que for que ele tenha querido dizer com isso, alguma coisa sobre mim, deduzo que na minha aparência, já que além disso ele não sabia mais nada, deu a ele a impressão de que eu não poderia ser nem professora, nem inteligente. E qual o problema em ser empregada doméstica ou sambista? Também não dá pra ser inteligente e exercer essas profissões, é assim que é pra entender?
Na hora minha reação foi ficar muda processando o que eu ouvi. Tomei mais uma cerveja, depois fui pra casa dormir, acordei no dia seguinte ainda meio perplexa e ainda sem compreender. Hoje em dia acho somente que o comentário dele, apesar de tão breve, mostrou ao mesmo tempo um pensamento elitário, arrogante e racista. Nunca mais me bati com esse sujeito, graças a deus, mas infelizmente sei que como ele, tem milhares de brasileiros que vem pra cá espalhar essas idéias discriminantes e burgesinhas. Triste, mas é verdade...
E tem os espertinhos que querem tirar vantagem de absolutamente tudo, os arrogantes que confundem o racismo cordial com uma coisa boa e ficam se achando a última coca-cola do deserto, os sulistas que te olham de cima abaixo ou que simplesmente param de falar diretamente com você quando descobrem que você é nordestino e os que não sabem de absolutamente nada sobre o Brasil além do último hit do verão, mas que mesmo assim não calam a boca quando deveriam e dão informação errada por aí por pura ignorância.
Dá vontade de dizer pra essa turma: galera, aproveitem que informação e educação aqui ainda não é privilégio e vão ler, vão estudar, vão se educar pra vida! Parem de dar tanta importância à besteira e vão procurar ampliar suas visões de mundo. Pelo bem da sociedade, utilizem de forma produtiva essa oportunidade que estão tendo!!!! Mas na maioria das vezes não consigo ou não dá mesmo pra dizer nada. Me sinto esgotada com o sentimento de que a ignorância por opção é um mal sem limites. Nessas horas só me resta sacudir a cabeça de forma exasperada e dizer pra mim mesma: “assim vocês me matam” só que de vergonha mesmo.